O mar se acaricia em continuação.
Georges Bataille (1993b, p. 15)
No início dos anos 1990, Andy era um estudante muito alto e magro, porém, fundamentalmente, trajava-se de modo diferente dos outros: brincava com os códigos dos Beatles. Havia transcorrido aquela quantidade de tempo, de modo que aquele estilo tinha se tornado style e, portanto citável, desmontável, trajável. Andy tinha viajado muito (Londres e Índia) e tinha voltado para a Itália trazendo a brain machine: uns óculos esquisitos nunca vistos antes. Decidi fazer uma experiência em sala de aula. Solicitei um voluntário para experimentar esse novo meio, depois de Andy tê-lo apresentado de modo genérico. Levantou-se um estudante muito "normal" e bastante inquieto. Colocou os óculos, Andy selecionou para ele uma música psicodélica e ficou sentado ao lado de minha mesa cerca de vinte minutos, enquanto eu dava aula. Acabado o tempo, Andy, que tinha ficado perto dele, tirou-lhe os óculos e - diante da enorme turma de estudantes curiosíssimos, todos de pé - fugiu correndo em direção à saída, deixando todos estupefatos e a mim bastante preocupado.
Na semana seguinte, decidimos liberar a experiência em minha sala particular. Abrimos as listas dos inscritos e, em breve, chegamos a mais de cem pessoas. Com turnos de vinte minutos cada e dois óculos à disposição, preparei as listas semanais. Assim, enquanto eu discutia teses ou programas, dois estudantes de cada vez, sempre observados por Andy, ficavam sentados com os óculos, a fim de depois contar sua experiência, para, digamos, uma pequena pesquisa. Foi um grande sucesso.
Os óculos deviam ser colocados com os óculos rigorosamente fechados, pois eram óculos cegos, de fundo preto, atravessados por linhas vermelho-elétricas, cujo grau variava de acordo com o tipo de freqüência sintonizada de um programa, ao qual se acrescentavam paisagens sonoras semelhantes ao tipo de freqüência dos fones de ouvido. Havia então um estímulo ocular e sonoro que entrava diretamente na cabeça. Aliás, no cérebro (brain). Esses óculos eram vendidos normalmente nos Estados Unidos, numa linha entre o alternativo hippy, o new age e o nascente tecnológico, todos conectados com as smart drugs. Com estas, define-se, de fato, um tipo de estímulo natural, não químico, para modificar a percepção normal, de forma muito soft, sem dar uma real alteração como ocorre com as substâncias sintéticas, mas somente cargas energéticas (como o guaraná brasileiro).
A partir disso, em todos os centros sociais, Andy organizava salas "smart" nas quais, deitados em colchões ou cobertas, jovens x-terminados olhavam e ouviam freqüências visuais e sonoras, Smart. O efeito era mais inquietante para quem os observava - assim x-terminados nas percepções e deitados nas posições - do que para quem usava os óculos. Como foi dito, as brain machines eram mais relaxantes do que alterantes, utilizáveis nas salas chill, que serviam para resfriar as percepções entre um banho techno fervente e as batidas de fundição do industrial.
Contudo, como todo o resto, as brain machines não duraram muito tempo, e Andy não foi mais visto e nem terminou o curso.
Brain machine pode ser lida também como uma máquina que produz cérebro, desenvolve inteligência, acaricia as percepções: é nesse sentido que a citação inicial de Georges Battaille pode ser lida. O movimento ondulatório do mar é percebido (por um grande antecipador do eXtremo como uma automassagem erótica, incansável e sem pausas, obsessiva. Donde marinhas semelhantes a ondas mecânicas: o cérebro acariciado como o mar-máquina...
(CANEVACCI, Massimo, "Culturas eXtremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles", tradução de Alba Omni. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, pp 136-138)
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